Batelão do Burgau

No limite poente do Parque Natural do Sudoeste Alentejano e Costa Vicentina (PNSACV), na Praia do Burgau, Município de Vila do Bispo, localiza-se o naufrágio do Batelão do Burgau. Pouco se sabe sobre a sua origem, mas pensa-se que pertenceria à antiga pedreira da Ponta de Almádena. O batelão ter-se-á afundado no seguimento de uma tempestade na década de 80, quando transportava pedras para a construção do molhe de Portimão. O naufrágio localiza-se a cerca de 250 metros da praia do Burgau (orientação sul-sudeste) e pode ser alcançado nadando deste a praia ou com recurso a embarcação. Com a proa orientada para terra, o navio tem aproximadamente 25 metros de comprimento e, encontra-se isolado e assente em fundo arenoso entre os 6 e os 10 metros de profundidade. Do ponto de vista da biodiversidade, este naufrágio transformou-se num recife artificial que serve de refúgio a inúmeras espécies de peixes e invertebrados (sésseis e móveis), algumas com interesse comercial e/ou farmacológico. O batelão alberga ainda uma espécie de gorgónia (Eunicella verrucosa) considerada vulnerável de acordo com a Internacional Union for the Conservation of Nature (IUCN), mas que não possui estatuto de conservação em Portugal.

Este roteiro de mergulho é ideal para iniciantes e de eleição para amantes da fotografia subaquática.

Praia do Burgau
Praia do Burgau

Tipo de Mergulho: Escafandro
Acesso: Pela praia ou com recurso a embarcação
Distância aprox. da Praia: 250 m
Prof. Max: 10 m
Posição: 37º04’06.05’’N; 8º46’35.80’’W
Habitat: Naufrágio
Grau de dificuldade: Médio
Qualificação mínima: Open Water Diver
Interesse paisagístico: Médio
Interesse biológico: Médio
Foto e Vídeo: Muito interessante
Estatuto de conservação: Sem espécies com estatuto de conservação em Portugal

Caracterização

A visibilidade subaquática no naufrágio é variável dependendo da ondulação, das correntes, das marés e da época do ano. De um modo geral, é no período do verão e no outono que as águas se apresentam mais cristalinas e a luminosidade parece mais apropriada para a realização do roteiro. Neste local pode existir tráfego de embarcações, em especial nos meses de verão. Recomenda-se cautela acrescida no acesso a este local de mergulho, especialmente se efetuar o acesso da praia.

Interior da popa do naufrágio
Cardume de Safias juvenis na superfície exterior do casco do batelão
Cardume de Safias juvenis na superfície exterior do casco do batelão

Atenção: A sinalização com boia e bandeira de mergulho é um requisito prioritário para a realização do roteiro. Também é importante mergulhar sempre na companhia de, pelo menos, mais uma pessoa.

O que podemos encontrar:

Parablennius pilicornis (Cuvier, 1829)
Parablennius pilicornis (Cuvier, 1829)

Marachomba-babosa (Parablennius pilicornis): é um dos cabozes mais comuns do litoral algarvio. Este pequeno peixe habita pequenas tocas e têm um comportamento marcadamente territorial, particularmente os machos, que protegem as posturas até à eclosão dos ovos. Tal como outros cabozes da família dos blénios (Blenniidae), possuem tentáculos com vários filamentos na cabeça, um por cima de cada olho, o que lhes dá um aspeto expressivo como se tivessem sobrancelhas. O seu padrão dominante é marmoreado, mas a coloração pode variar com o ciclo reprodutivo: os machos dominantes são cinzentos-escuros, e as fêmeas reprodutivas podem apresentar coloração totalmente amarela.


Tripterygion delaisi Cadenat & Blache, 1970
Tripterygion delaisi Cadenat & Blache, 1970

Caboz-de-três-dorsais (Tripterygion delaisi): este peixe críptico que normalmente ocupa locais com luz reduzida apresenta dimorfismo sexual. A fêmea apresenta uma coloração marmorada e discreta, enquanto o macho ostenta a cabeça preta e o corpo amarelo, sendo por isso muito mais exuberante.


Dictyota dichotoma (Hudson) J.V.Lamouroux, 1809
Dictyota dichotoma (Hudson) J.V.Lamouroux, 1809

Alga (Dictyota dichotoma): esta alga pertence ao grupo das algas castanhas. O talo tem consistência flexível e cor verde-acastanhada ou amarelada e pode formar densos aglomerados. Esta espécie é frequente nas comunidades florísticas dos recifes rochosos da costa algarvia.


Leptogorgia sarmentosa (Esper, 1791)
Leptogorgia sarmentosa (Esper, 1791)

Gorgónia (Leptogorgia sarmentosa): é um cnidário colonial, com aspeto arborescente, pertencente ao grupo dos corais. As colónias destes indivíduos possuem uma haste central axial, com ramificações onde se albergam pequenos pólipos distribuídos pela superfície e que se alimentam de organismos capturados na coluna de água. Esta espécie apresenta-se com colorações variadas: rosa, amarelo, vermelho, branco e raras vezes alaranjada.


Serpula vermicularis Linnaeus, 1767
Serpula vermicularis Linnaeus, 1767

Serpula (Serpula vermicularis): é um poliqueta sedentária adaptada a viver permanentemente em tubos calcários fixos a substratos duros. Contrariamente, o Espirógrafo-comum (Sabella spallanzanii), outro residente do naufrágio do batelão, constrói tubos orgânicos para se abrigar. Estes organismos retraem-se rapidamente para a “toca” com a aproximação ou passagem de mergulhadores (forma de se protegerem de predadores.


Tyrannodoris europaea (García-Gómez, 1985)
Tyrannodoris europaea (García-Gómez, 1985)

Lesma-do-mar (Tyrannodoris europaea): este molusco gastrópode, de corpo azulado com listas longitudinais amareladas e tamanho que pode ultrapassar os 50 mm de comprimento, é uma das inúmeras espécies exuberantes de nudibrânquios encontrados no naufrágio do batelão. Esta lesma-do-mar tem a particularidade de se alimentar de outros nudibrânquios, por vezes até de espécies do mesmo género.


Anemonia sulcata (Pennant, 1777)
Anemonia sulcata (Pennant, 1777)

Anémona-verde (Anemonia sulcata): esta anémona é uma espécie com grande interesse farmacológico pois produz neurotoxinas com potencial atividade antimicrobiana. A Anémona-verde é também utilizada na alimentação em algumas regiões do Sul de Espanha e na bacia do Mediterrâneo (por ex. no Golfo de Cádis). Trata-se de uma das espécies de anémonas mais comuns na costa Algarvia.


Bugula neritina (Linnaeus, 1758)
Bugula neritina (Linnaeus, 1758)

Briozoário (Bugula neritina): é uma espécie extremamente comum, considerada invasiva e com uma distribuição cosmopolita. Esta espécie tem interesse farmacológico pois possui briostatinas, um grupo de produtos naturais bioativos que têm estado sob investigação para possíveis terapias no combate ao cancro e doença de alzheimer. Este briozoário é muitas vezes confundido por observadores amadores como sendo uma alga, devido às semelhanças em aspeto, textura e coloração.


Paracentrotus lividus (Lamarck, 1816)
Paracentrotus lividus (Lamarck, 1816)

Ouriço-do-mar-comum (Paracentrotus lividus): embora não possua qualquer medida especial de conservação na costa portuguesa, este equinoderme está protegido no Mar Mediterrâneo pela Convenção de Berna. Por se tratar de uma espécie comercial em Portugal, a sua recolha é regulamentada, existindo um tamanho mínimo de captura de 5 cm.


Necora puber (Linnaeus, 1767)
Necora puber (Linnaeus, 1767)

Navalheira (Necora puber): comum no Algarve, este caranguejo é característico de fundos rochosos, desde a costa até aos 70-80 m de profundidade. Trata-se de uma espécie omnívora, que se alimenta essencialmente de outros crustáceos, moluscos e algas. Sendo comercializado em Portugal, tem o seu tamanho mínimo de captura fixado nos 5 cm (tamanho da carapaça).


Octopus vulgaris Cuvier, 1797
Octopus vulgaris Cuvier, 1797

Polvo-comum (Octopus vulgaris): este cefalópode suporta uma importante e tradicional pescaria artesanal, essencial à subsistência das comunidades pesqueiras locais. A pesca do Polvo-comum é regulamentada e apenas organismos com um peso ≥ 0,750 kg podem ser capturados. No Algarve esta espécie é essencialmente capturada por armadilha de gaiola (covos) ou de abrigo (alcatruzes).


Sepia officinalis Linnaeus, 1758
Sepia officinalis Linnaeus, 1758

O Choco-comum (Sepia officinalis): o choco tem a particularidade de possuir três corações. As posturas deste cefalópode podem chegar aos 4000 ovos por fêmea e assemelham-se a pequenos cachos de uvas de coloração negra. Quando se desprendem das estruturas onde inicialmente se fixaram, por vezes, dão à costa, sendo vulgarmente encontrados nos areais das praias. A pesca do Choco-comum é regulamentada e a sua captura fixada nos 10 cm (tamanho do manto).


Diplodus vulgaris (Geoffroy Saint-Hilaire, 1817)
Diplodus vulgaris (Geoffroy Saint-Hilaire, 1817)

Safia (Diplodus vulgaris): juntamente com o Sargo (Diplodus sargus), é uma das espécies com valor comercial mais comuns no naufrágio do batelão. O local proporciona refúgio a cardumes numerosos de juvenis desta espécie. A pesca da Safia e do Sargo é regulamentada e o tamanho para a sua captura está fixado nos 17 cm.


Aiptasia mutabilis (Gravenhorst, 1831)
Aiptasia mutabilis (Gravenhorst, 1831)

Anémona-trompeta (Aiptasia mutabilis): esta anémona e a Anémona-verde (Anemonia sulcata) apresentam células urticantes (cnidoblastos) que libertam uma toxina quando perturbadas. Esta toxina pode provocar irritações cutâneas, particularmente na zona dos olhos e boca, pelo que se aconselha evitar o contacto físico com estas anémonas.


Scorpaena porcus Linnaeus, 1758
Scorpaena porcus Linnaeus, 1758

O Rascasso ou Peixe-escorpião (Sorpaena porcus): possui toxinas venenosas na base dos espinhos da barbatana dorsal. Este peixe, apresenta extraordinária capacidade de mimetização com o ambiente, sendo difícil de distinguir devido à facilidade de camuflagem em diferentes substratos. Os rascassos que ocorrem no Atlântico não são letais para o homem, mas a picada provoca dormência, dor e ferida. A dor pode durar até 12 horas e causar uma sensação incómoda durante dias a semanas. A dor pode ser acompanhada de ferida, que pode evoluir para vesículas e está sempre associado um grau variável de edema. Se for picado por um peixe-escorpião, considere procurar aconselhamento médico.

Outras informações:

BOMBORDO: Devido à orientação do destroço, é provável que este lado seja mais fustigado pelas correntes e ondulação, o que dificulta a fixação de organismos. Contudo, a bombordo podem ser avistadas espécies que não são encontradas noutras partes do naufrágio, como por exemplo a Anémona-margarida (Cereus pedunculatus), presente nas reentrâncias, ou a esponja amarela Cliona celata fixa às paredes do casco.

ESTIBORDO: Maioritariamente colonizado pela gorgónia Leptogorgia sarmentosa (exemplares extremamente robustos e mais largos que altos), por espirógrafos Sabella spallanzanii, pelo briozoário Bugula neritina, pela Anémona-verde (Anemonia sulcata) e por outros briozoários incrustantes. É uma zona ideal para os amantes da fotografia subaquática pois, é colonizada por várias espécies de nudibrânquios, que variam consoante as estações do ano, mas são mais abundantes e diversos nos meses de primavera. Durante a época de postura do Choco-comum (Sepia officinalis), existem cachos de ovos desta espécie distribuídos por quase todas a gorgónias que ocupam esta secção no naufrágio.

DICAS: No porão do batelão existe uma zona de areia vasosa com inúmeras conchas vazias de várias espécies de bivalves (por ex. Calista chione, Acanthocardia tuberculata, Venerupis corrugata) que, provavelmente, serviram de alimento à população local do Polvo-comum (Octopus vulgaris).

Aqui, é normalmente observada a lesma-do-mar Tyrannodoris europaea, nudibrânquio com uma ampla distribuição no Algarve, mas de difícil observação in situ. Outro residente desta zona do naufrágio é o furtivo Caranguejo-aranha-das-anémonas (Inachus phalangium) que vive sempre bem camuflado debaixo dos tentáculos da Anémona-verde (Anemonia sulcata). Nas fissuras e buracos o Ofiurídeo-serpente (Ophioderma longicaudum) é também um dos organismos conspícuos deste local, juntamente com o Rascasso (Sorpaena porcus). Todo o fundo arenoso nas proximidades do naufrágio é igualmente composto por conchas vazias de bivalves e, podem ser observados, inúmeros rastos na areia do pequeno Búzio-cachorro-rede (Tritia reticulata), um dos moluscos gastrópodes detritívoros mais comuns da costa portuguesa.