Período cronológico: Romano.
Condições da visita: Acesso livre.
Contactos: Centro de Interpretação de Vila do Bispo (+351) 282 630 600
Email: geral@cm-viladobispo.pt
Site: WWW: https://www.cm-viladobispo.pt/pt/menu/56/turismo.aspx/
Descrição: A villa romana localiza-se sobre a falésia da praia da Boca do Rio, a sudeste da povoação de Budens. Atualmente, este sítio encontra-se classificado como Monumento de Interesse Público.
Contexto ambiental: A área é limitada por falésias a oeste e por uma planície aluvial a este. A vegetação é composta por plantas halófitas, típicas de um ambiente costeiro que sofre com a incursão da água do mar. A área caracteriza-se por ser zona húmida, enquadrada no vale que porventura é delimitado por falhas na costa, e que se estende por cerca de 1 km, até se dividir por três vales tributários. Os rios e ribeiras foram canalizados por se cruzarem com estas zonas húmidas (que por vezes inundam aquando de intensas precipitações).
Ocupação: O sítio arqueológico da Boca do Rio, é conhecido por ser uma Villa e que viu a sua ocupação compreendida entre meados dos séculos I d.n.e (depois da nossa era) até ao século V d.n.e, e que terá sido um dos mais importantes sítios para a atividade piscícola da província da Lusitânia.
Durante a época Romana –há cerca de 2 000 anos – o mar entrava pelo estuário de Budens, formando uma extensa laguna. Esta localização seria assim privilegiada para a exploração de recursos marítimos e trocas comerciais. Depois de ter sido abandonado no século V, o sítio foi coberto por areias dunares, que permitiram a conservação das suas estruturas.
No decorrer do século I d.n.e., os Romanos fundaram esta villa que continha a parte habitacional e as termas voltadas para o mar, tal como um complexo industrial composto por grandes tanques para a salga de peixe. O espaço residencial (pars urbana) seria composta por pavimentos revestidos a mosaicos com decorações geométricas e paredes com estuques pintados. Por sua vez a área termal com pequenas piscinas com degraus forrados a mosaicos e uma área de serviço doméstico (com lareira e contentores de alimentos – ânforas e dolium no seu local original). Estes dois espaços encontravam-se interligados, e voltados para o mar. Deve ser referido que grande parte desta área, levantada por Estácio da Veiga, já se encontra destruída. O sítio ainda é composto por várias fabricas de processamento de preparados piscícolas, com a presença de 12 Cetárias (género de tanques) que apresentam vários níveis de construção forradas com “opus signium” – material construtivo a partir de telha – separados em três sectores. Inclusive o registo geofísico do terreno, e posterior escavação, permitiu a identificação de outras cetárias com capacidade para 27 mil litros – tal como um porto com um cais de 40 metros, em silharia que servia para descarregar o pescado da fábrica. Este porto seria formado por um extenso muro que protegia o cais da ação marítima. Os dados arqueológicos indicam que nos inícios do seculo IV d.n.e a lagoa deixou de permitir o acesso ao cais, e este terá sido coberto, apesar das fábricas ainda estarem em plena atividade.
Associado a este sítio, está uma necrópole que se encontra a noroeste da área urbana e termal, onde foram intervencionadas, até ao momento, 9 sepulturas. Ao longo de toda a Necrópole podem se encontrar vários fragmentos de cerâmica doméstica e de construção (e.g.: comum, terra sigilata, fragmentos de tégula) associados a rituais funerários. Deve ser referido que no caso das sepulturas de inumação (sepulturas 3 e 6) e incineração (sepultura 4), encontrava-se o espólio mais significativo (e.g.: lucernas, numismática, pregos). Nesta época era comum nos rituais de cremação serem atirados vários objetos, como por exemplo vidro, que pode ser encontrado nestas sepulturas. A partir do século III, estas sociedades passam a preferir a prática da inumação, como pratica fúnebre, em que é evidente uma redução do espólio e um aumento de peças simbólicas (e.g.: tacha em bronze da sepultura 6).
Escavações: Em 1755, aquando do Terramoto e do posterior tsunami, as ruínas deste sítio arqueológico ficaram a descoberto, tendo sido encontradas, pouco depois, pelo médico e curioso Dimas Almeida Ramos. O sítio terá sido intervencionado apenas no decorrer do seculo XIX por Estácio da Veiga, através de intervenções arqueológicas. Este investidor elaborou uma planta geral do sítio onde identificou um conjunto termal e uma zona habitacional – que devido à sua posição costeira foi destruída pelo mar – assim como, procedeu ao cuidadoso registo dos mosaicos. Mais tarde, Santos Rocha identifica a necrópole e na década de 30 do seculo XX, José Formosinho leva a cabo várias escavações no local. Nesta mesma altura, o sítio também terá sido intervencionado por José Formosinho que acabou por recolher espólio arqueológico, que ainda hoje se encontra no museu de Lagos. Em 1982 coube a Francisco Alves intervencionar o sítio com várias sondagens, demonstrando a importância arqueológica do sítio. Os trabalhos que se seguiram, foram realizados num contexto de salvaguarda e proteção já que o sítio seria constantemente afetado por a erosão costeira e agitação marítima. A partir de 2017, o sítio foi investigado a partir do projeto “Boca do Rio: um sítio pesqueiro entre dois mares”, com uma parceria entre a Universidade do Algarve, a Universidade alemã de Marburg e o município de Vila do bispo.
A natureza ácida dos solos de Boca do Rio afetou a conservação de alguns vestígios arqueológicos, ainda assim, podem ser destacados os recipientes de armazenamento (e.g.: dolium e fragmentos de ânforas) e cerâmicas (e.g.: terra sigilata, sigilata africana, cerâmica cinzenta gaulesa tardia). No entanto, deve ser salientado que as estruturas apresentam um bom estado de conservação, notório pelos mosaicos e estuques pintados, tal como a os vestígios de madeira e ossos de peixe presentes numa das cetárias.
Mapa
Referencias:
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