Período cronológico: Paleolítico Superior.
Contactos: https://www.cm-viladobispo.pt/
Descrição: Vale Boi é o maior sítio arqueológico do Paleolítico em Portugal, com uma ocupação que começou há mais de 30 mil anos. Aqui, os caçadores-recolectores aproveitavam a proximidade da lagoa, existente a escassos metros, tanto para caçar animais como para obter água.
Contexto ambiental: Situado na região de Vale Boi, num pequeno vale limitado a leste pela Ribeira de Vale Boi e a oeste pela zona de aluvião. Ao longo da encosta encontram-se várias plataformas planas de calcário que formam pequenos afloramentos rochosos, criando abrigos naturais. Em termos geológicos, o vale caracteriza-se pela abundância de xistos e grauvaques do Carbono Vestfaliano Superior, e a Sul por formações de calcitas e dolomitas do Triássico e Jurássico, onde predominam afloramentos de sílex até à zona do Cabo S. Vicente, cerca de 20 km a sudoeste.
Vale Boi, por sua vez, situa-se no topo da vertente onde é visível uma grande escarpa de calcário do Jurássico, com uma face vertical de 10-15 m, e por toda a encosta uma sequência de plataformas planas de calcário que formam pequenos afloramentos rochosos, sob a forma de abrigos.
Ocupação: Vale Boi é um abrigo sobre rocha que terá sido ocupado durante a Pré-história, nomeadamente durante o Paleolítico Superior, por grupos de caçadores-recolectores: os Homens Modernos.
É num desses abrigos rochosos – afetados pelo tempo – que foram encontrados vários vestígios de ocupação humana, na qual foram descobertos em primeira instância um grande número de artefactos e fragmentos de ossos. Porém a dispersão dos vestígios, vai muito mais além do abrigo, e é possível encontrar vestígios na zona da encosta (extremo leste e oeste) e terraço (planície aluvial da ribeira de Vale Boi). Com base na dispersão dos artefactos à superfície e nas sondagens arqueológicas estima-se que a jazida arqueológica tenha uma dimensão superior a 10.000 m2. Assim, e tendo estes fatores em consideração o sítio foi dividido em três áreas principais: abrigo, vertente e terraço.
Em relação à estratigrafia que caracteriza o sítio arqueológico, é composta por 6 camadas estratigráficas. As primeiras duas camadas encontram-se representadas por níveis do Holoceno, associados a uma ocupação neolítica. A esta ocupação encontram-se materiais líticos talhados, cerâmicas, ossos e conchas, associados a lareiras e pavimentos em calcário. As análises faunísticas confirmam a presença de animais, tais como coelho, bovídeos, ovelha e porco, porém o baixo número de ossos não permite confirmar a sua origem doméstica. A camada 3 apresenta um sedimento argiloso com a presença de vários calcários, líticos e fauna, associada ao epipaleolítico e solutrense. A camada 4, separada por um horizonte de cascalho, é muito semelhante à anterior, porém indicando horizontes culturais diferentes associados ao solutrense e proto-solutrense. A camada 5, de coloração mais escura e com uma acentuada presença de elementos orgânicos calcinados, está representada por materiais solutrenses que diminuiem em profundidade. Por fim, a camada 6 com uma maior presença de calcários, caracteriza-se pela ocupação gravetense. A ocupação solutrense no sítio é composta por um elevado número de artefactos, desde fauna malacológica (berbigão e lapa) e mamalógica (veado, auroque, cavalo, javali, coelho leão, lobo, raposa), ornamentos, utensílios em osso e arte móvel. Por sua vez, os líticos são compostos por vários núcleos dos quais eram extraídos os utensílios de caça, como as pontas de seta parpalhó ou as folhas de loureiro. Em contraste, os níveis gravetenses estão em pior estado de conservação e são compostos, em semelhança, por uma diversidade de espécies de animais e conchas, assim como vários utensílios líticos, dos quais se podem destacar lâminas retocadas e lâminas de dorso.
Deve ser referido que os materiais que caracterizam Vale Boi mostram um uso diário por parte destras comunidades, o que indica que seria um sítio residencial. Nomeadamente a área do terraço e abrigo seriam a zona habitacional e a vertente a zona de despejo (como se fosse uma lixeira atual). Vale Boi mostra-se um sítio de referência para pré-história, por apresentar uma ocupação in situ, o que na maioria dos casos é bastante raro. Este sítio, encontra-se bastante bem preservado (devido ao seu contexto calcário), o que facilita a interpretação sobre o passado humano.
Em Vale Boi, as sociedades de caçadores-recolectores retiravam proveito do meio ambiente e dos seus recursos onde utilizavam as rochas locais – como o sílex – para fazer utensílios de caça, com os quais caçavam os animais e recolhiam as plantas.
Escavação: Vale Boi foi descoberto em 1998 na sequência de trabalhos de prospeção nos vales fluviais da Costa Vicentina, aquando do projeto “A Ocupação Humana Paleolítica no Algarve”, com objetivo de estabelecer uma cronostratigrafia inicial para o Algarve. Porém os trabalhos arqueológicos só tiveram início em 2000, na sequência da abertura de duas sondagens na área de maior concentração de artefactos. A sequência estratigráfica, nas três áreas supracitadas, inicia-se com o Gravetense a c. 32 ka cal BP, passando pelo Proto-Solutrense, Solutrense, Magdalenense, Epipaleolítico e, termina com uma ocupação neolítica datada de c. 6.8 ka cal BP. Em 2006, as intervenções no sítio foram financiadas pela National Geographic Society e pelo Archaeological Institute of America, com o objetivo de delimitar a área ocupada no terraço e abrigo e, conhecer a estratigrafia do local. Este sítio arqueológico, foi continuamente escavado até meados de 2019, com diferentes projetos (e.g.: Os últimos Neandertais e a emergência dos Homens Modernos no Sudoeste da Península Ibérica, financiado pela FCT; A história de dois mares: Ecologia do Paleolítico Superior em vale Boi, Algarve Portugal, financiado pela FCT).
Referências:
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